Quando a Terra escureceu: por que houve uma “noite perpétua” de 540 dias na Idade Média?
18/06/2024Em 536 d.C., Europa, Oriente Médio e partes da Ásia vivenciaram um notável fenômeno ambiental conhecido como ‘noite perpétua da Idade Média’. Esse período, que durou 18 meses, foi caracterizado por uma escuridão contínua, onde o Sol e a Lua apareciam igualmente tênues no céu. Não houve amanheceres ou entardeceres, mergulhando a vida em uma sombra prolongada.
A causa dessa escuridão prolongada foi uma névoa densa e misteriosa que envolveu completamente os céus. Figuras históricas renomadas, incluindo o historiador bizantino Procopius, documentaram esse fenômeno. Os relatos de Procopius descrevem o Sol emitindo uma luz fraca, semelhante à da Lua, durante todo o ano. Esse período marcou o início da década mais fria em mais de 2.300 anos, com temperaturas de verão caindo entre 1,5°C e 2,5°C, conforme relatado por Ann Gibbons, correspondente da Science.
O impacto dessa escuridão foi profundo e abrangente. Na China, a neve cobriu toda a região, levando a colheitas malsucedidas e severa fome. A Europa sofreu de maneira semelhante, com crônicas indicando que os campos de cultivo não se recuperaram das baixas temperaturas por pelo menos três anos. A maioria desses relatos originou-se de Constantinopla, a capital do Império Romano do Oriente na época. No entanto, os efeitos foram sentidos bem além das fronteiras europeias.
Descrições do Sol durante esse período detalham seus raios como ‘fracos e azulados’, e até mesmo em noites de lua cheia, o corpo lunar parecia estar ‘desprovido de esplendor’. As estações pareciam se misturar umas às outras, com o inverno sem tempestades, a primavera sem sua suavidade e o verão sem calor. Para se adaptar a essas condições severas, há registros de métodos especiais de armazenamento empregados para preservar a comida limitada disponível.
Décadas após o evento, a causa desse período de 18 meses de escuridão permaneceu um mistério. Mais de 1.500 anos depois, pesquisadores do Climate Change Institute da Universidade do Maine propuseram uma explicação possível. Em uma oficina de trabalho em 2018 na Universidade de Harvard, eles apresentaram evidências sugerindo que uma erupção vulcânica cataclísmica na Islândia foi a causa provável. A erupção, que ocorreu em 536 d.C., foi tão poderosa que espalhou cinzas por grande parte do hemisfério norte.
Esse evento levou ao que agora é referido como um ‘inverno vulcânico’, um fenômeno onde as temperaturas globais caem devido a gotículas de ácido sulfúrico escurecendo o Sol. Essas gotículas resultam de grandes erupções vulcânicas ricas em enxofre. A cinza e o ácido sulfúrico formaram efetivamente uma ‘parede de fumaça’ no céu, bloqueando a luz do sol e causando uma queda dramática nas temperaturas.
As consequências dessa catástrofe ambiental foram agravadas por mais dois desastres naturais. Em 540 d.C., apenas quatro anos após a névoa inicial, e novamente sete anos depois, ocorreram mais erupções. Esses desastres contínuos impediram a Europa de se recuperar, mergulhando vários países em estagnação econômica. Sem culturas para vender e sem meios viáveis de cultivar a terra, uma fome generalizada se seguiu.
A série de erupções violentas introduziu grandes quantidades de aerossóis de sulfato na atmosfera da Terra, reduzindo significativamente a quantidade de radiação solar que atingia a superfície do planeta. Embora o efeito da ‘noite perpétua’ tenha se dissipado gradualmente, levou décadas para que as temperaturas voltassem aos níveis normais.
Os 18 meses de escuridão em 536 d.C., seguidos por desastres naturais subsequentes, tiveram efeitos duradouros na agricultura, economia e vida cotidiana em toda a Europa e partes da Ásia. A documentação e estudo de tais fenômenos fornecem informações valiosas sobre os desafios enfrentados pelas sociedades passadas e a resiliência que demonstraram diante de adversidades ambientais.