
‘Não sobreviveria à cadeia’ STF condena Carla Zambelli, que vê perseguição política: ‘Não sobreviveria à cadeia’
16/05/2025
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) afirmou ser vítima de perseguição política ao comentar sua condenação a dez anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (15/5), ela também criticou o andamento do processo e negou qualquer envolvimento nos crimes.
Além da pena de prisão em regime fechado, a deputada foi condenada à perda do mandato e ao pagamento de indenização, por envolvimento na invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo crime de falsidade ideológica.
A decisão foi tomada por unanimidade nesta quarta-feira (14/5). O ministro Luiz Fux foi o último a votar, completando o placar de 5 a 0.
O relator do caso, Alexandre de Moraes, havia se manifestado no dia 9, e foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.
Zambelli foi acusada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar e coordenar, com o auxílio do hacker Walter Delgatti, uma invasão ao sistema do CNJ no início de 2023.
Segundo a denúncia, o objetivo era incluir alvarás de soltura falsos e um mandado de prisão forjado contra o próprio Moraes.
Delgatti, que confessou o ataque, foi condenado a oito anos e três meses de prisão. Ele afirma ter feito a invasão a mando da deputada.
No voto que embasou a condenação, Moraes afirmou que Zambelli atuou de forma “premeditada, organizada e consciente”, com a intenção de desacreditar as instituições do Estado democrático de Direito.
“Como deputada federal, portanto representante do povo brasileiro e jurada a defender a Constituição, utilizou-se de seu mandato e prerrogativas para, deliberadamente, atentar contra a credibilidade do Poder Judiciário”, escreveu o ministro.
A pena, segundo ele, foi agravada pelo “comportamento social desajustado ao meio em que vive a acusada” e pelo “desrespeito às instituições e à democracia”.
Em entrevista coletiva concedida nesta quinta-feira (15/5), Zambelli reagiu à decisão. “Não colocaria meu mandato em risco por uma brincadeira sem graça”, disse.
A deputada negou envolvimento nos crimes e afirmou que não há provas que a conectem diretamente à invasão.
Ela também acusou Delgatti de ser um “mentiroso patológico” que alterou sua versão dos fatos em pelo menos seis depoimentos. “A própria Polícia Federal, quando esteve na casa dele, o classificou como mitômano, que mente e inventa histórias”, afirmou.
A defesa da parlamentar argumenta que a condenação se baseou exclusivamente nos depoimentos de Delgatti, que seriam contraditórios e imprecisos.
Segundo os advogados, a relação entre os dois começou em julho de 2022, quando Delgatti abordou Zambelli durante um evento político em Ribeirão Preto (SP). Depois, ele teria sido contratado por um colaborador do gabinete da deputada para integrar o site da campanha às redes sociais.
“Nunca escondi que o conheci”, disse a parlamentar.
A defesa afirma que não houve pagamento por serviços ilegais e que não há provas técnicas de que Zambelli tenha redigido ou enviado os documentos falsos incluídos no sistema do CNJ.
O advogado da deputada, Daniel Bialski, também criticou o formato do julgamento. Segundo ele, a realização em plenário virtual impediu a apresentação oral dos argumentos da defesa.
“É inaceitável que o julgamento tenha ocorrido de forma virtual, sem que o advogado estivesse presente diante dos ministros. Isso é um cerceamento de defesa”, declarou.
No fim de abril, o PL, partido da deputada, pediu à Câmara dos Deputados que suspendesse a ação penal contra ela, a exemplo do que foi feito com o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). “Já tive um sinal verde de que vai ser pautado”, disse Zambelli.
‘Não sobreviveria à cadeia’

Na entrevista coletiva, Zambelli também mencionou que enfrenta problemas de saúde, como a síndrome de Ehlers-Danlos — condição genética que causa hipermobilidade nas articulações —, além de depressão e uma disfunção cardíaca conhecida como síndrome da taquicardia postural ortostática.
“Pedi relatórios aos meus médicos, e eles são unânimes em afirmar que eu não sobreviveria à cadeia”, disse a deputada.
“Se acontecer de ter a prisão, vou me apresentar. Mas não me vejo capaz de ser cuidada da maneira como devo ser cuidada”, afirmou.
Esta é a segunda vez, em menos de dois meses, que o STF forma maioria para condenar Carla Zambelli.
Em março, os ministros já haviam votado por uma pena de cinco anos e três meses de prisão em regime semiaberto, por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal.
O caso diz respeito ao episódio em que a deputada perseguiu um homem armada pelas ruas de São Paulo, na véspera do segundo turno das eleições de 2022. O julgamento, porém, foi interrompido após um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques.
No âmbito eleitoral, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) decidiu, em janeiro, cassar o mandato de Zambelli por disseminação de desinformação durante as eleições de 2022. A decisão, no entanto, ainda aguarda a análise de recursos para entrar em vigor.
Já Walter Delgatti Neto permanece preso desde 2023 por outros crimes cibernéticos, incluindo a invasão de contas de autoridades no Telegram.
Ele ficou conhecido por seu envolvimento no caso “Vaza Jato”, quando repassou mensagens obtidas ilegalmente a partir de invasões à força-tarefa da Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro. O conteúdo foi divulgado inicialmente pelo site The Intercept Brasil.
No processo atual, ele foi condenado a oito anos e três meses de prisão, e, junto com Zambelli, deverá pagar uma multa de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
O que acontece agora?

Após o fim do julgamento, o STF vai publicar o acórdão — o documento oficial que registra a decisão tomada pelos ministros. Só então começa a contar o prazo para apresentação de novos recursos.
O advogado Daniel Bialski afirmou que vai entrar com os pedidos de recursos assim que a defesa for intimada.
O principal recurso possível nessa fase são os chamados embargos de declaração, que servem apenas para pedir esclarecimentos sobre pontos da decisão que possam estar confusos, contraditórios ou incompletos.
“Os embargos de declaração são um recurso apenas para esclarecimento. Não têm efeito suspensivo nem devolutivo, salvo exceções”, explica o advogado Clóvis Alberto Bertolini, doutor em Direito do Estado pela UFPR e especialista em Direito Público.
Esses embargos não mudam o resultado do julgamento, mas podem afetar detalhes, como a data de início da pena ou o cálculo final da condenação.
No caso da deputada Carla Zambelli (PL-SP), Bertolini afirma que esse tipo de recurso pode ser apresentado, mas não há possibilidade de embargos de divergência, pois a decisão da Primeira Turma foi unânime.
“Diferentemente do que ocorreu com o Fernando Collor, cuja decisão não foi unânime, a condenação da deputada foi unânime na Primeira Turma”, explica.
Zambelli só poderá ser presa e perder oficialmente o mandato depois do trânsito em julgado — ou seja, quando não houver mais chance de recorrer da decisão. Até lá, ela continua solta e com seu mandato de deputada federal, a menos que os deputados decidam antecipar a cassação por conta própria.
A Constituição Federal determina, no artigo 55, que parlamentares condenados criminalmente em decisão definitiva devem perder o mandato.
O texto também diz que essa perda deve ser votada pela Câmara dos Deputados, por maioria absoluta, depois de um pedido da Mesa Diretora ou de algum partido político.
Mas há um impasse entre os poderes. “É uma discussão: a Câmara entende que deveria votar essa perda do mandato. Mas o STF já consolidou há muitos anos que essa perda é automática”, afirma Bertolini.
Segundo ele, o Supremo usa como base o artigo 15 da Constituição, que prevê a suspensão dos direitos políticos após uma condenação criminal definitiva.
“O Supremo tem esse entendimento há tempos e já aplicou isso em outros casos, inclusive em um julgamento relatado pelo ministro Barroso”, diz.
Para o advogado, o provável é que o STF determine que Zambelli perca o mandato automaticamente, como fez em outras decisões semelhantes. “É muito provável que ela perca o mandato após o julgamento dos embargos de declaração”, conclui.
Da mesma forma, a inelegibilidade de oito anos, determinada pela condenação, só valerá quando não houver mais possibilidade de recurso.