Investigada múmia da “mulher que grita”, que pode ter agonizado há 3500 anos

Investigada múmia da “mulher que grita”, que pode ter agonizado há 3500 anos

04/08/2024 0 Por jk.alien

Usando técnicas mais modernas, uma dupla de arqueólogas voltou a investigar a curiosa múmia egípcia, descoberta 90 anos atrás. Veja aqui o que eles descobriram

Uma dupla de pesquisadoras de Cairo, no Egito, conseguiu desvendar os mistérios de uma curiosa múmia de 3,5 mil anos usando novas técnicas de análise por imagem. A “mulher que grita” recebeu este apelido por sua expressão fossilizada com a boca bem aberta, como se estivesse eternamente presa em um grito. Os resultados do estudo foram publicados esta semana na Frontiers in Medicine.

Originalmente, a múmia foi descoberta em 1935, durante uma expedição liderada pelo Museu Metropolitano de Arte de Nova York (MET) a Deir Elbahari, local da antiga cidade de Tebas. Por lá, os arqueólogos escavaram o túmulo de Senmut, o arquiteto de obras reais – e, supostamente, amante da rainha-faraó Hatschepsut (1479-1458 a.C.).

Abaixo do túmulo de Senmut, existiam ainda câmaras funerárias separadas para sua mãe, Hat-Nufer, e outros parentes não identificados. Dentre eles, a “mulher que grita”, a qual os especialistas descreveram como uma mulher idosa, usando uma peruca preta e dois anéis de escaravelho em prata e ouro.

Prof. Sahar Saleem com a curiosa múmia de 3,5 mil anos — Foto: Divulgação/Sahar Saleem
Prof. Sahar Saleem com a curiosa múmia de 3,5 mil anos — Foto: Divulgação/Sahar Saleem

Até 1998, a múmia foi mantida na Escola de Medicina Kasr Al Ainy, no Cairo, onde, nas décadas de 1920 e 1930, pesquisadores estudaram muitas múmias reais, incluindo o faraó Tutancâmon. Posteriormente, o exemplar foi transferido para o Museu Egípcio do Cairo a pedido do Ministério de Antiguidades. Desde 1935, o caixão e os anéis da múmia estavam expostos no MET.

No novo estudo, as arqueólogas responsáveis, Sahar Saleem e Samia El-Merghani, usaram tomografias computadorizadas para “dissecar virtualmente” a múmia e estimar sua idade, identificar doenças e seu estado de preservação. Técnicas de microscopia eletrônica de varredura (MEV), espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) e análise de difração de raios X (DRX) também ajudaram a identificar os materiais do embalsamento.

Conhecendo a múmia

Por meio dos exames, verificou-se que a múmia ainda estava em boas condições, mesmo cerca de 3,5 mil anos após o seu enterro. A investigação a mostra desembrulhada, deitada de costas com as pernas estendidas e as mãos dobradas acima da virilha.

A mulher não tinha vários dentes – provavelmente perdidos antes da morte, pois havia evidências de reabsorção óssea – e os que tinha, estavam desgastados. “É possível que esses dentes tenham sido extraídos. A odontologia teve origem no antigo Egito, com Hesy Re sendo o primeiro médico e dentista registrado no mundo”, lembra Saleem, em nota.

Estima-se que a “mulher que grita” tinha 1,54 m de altura. A partir da morfologia da articulação entre os dois ossos pélvicos, que se suaviza com a idade, as imagens permitiram calcular a sua idade em aproximadamente 48 anos. Como evidenciado pela presença de esporões ósseos nas vértebras, ela sofria de artrite leve na coluna.

Saleem não encontrou nenhuma incisão de embalsamamento, o que foi consistente com a descoberta de que o cérebro, diafragma, coração, pulmões, fígado, baço, rins e intestino ainda estavam presentes na mulher. O que foi uma surpresa, dado que o método clássico de mumificação incluía a remoção de todos os órgãos, com exceção do coração.

A análise FTIR de sua pele mostrou ainda que seu embalsamento havia sido feito com zimbro e olíbano, materiais caros e que não existiam no Egito Antigo. Portanto, deviam ser importados do Mediterrâneo Oriental, da África Oriental ou do Sul da Arábia.

Múmia durante a realização de tomografia computadorizada — Foto: Divulgação/Sahar Saleem
Múmia durante a realização de tomografia computadorizada — Foto: Divulgação/Sahar Saleem

Da mesma forma, seu cabelo natural havia sido tingido com hena e zimbro. Enquanto isso, sua longa peruca, feita de fibras de tamareira, havia sido tratada com cristais de quartzo, magnetita e albita, provavelmente para endurecer as mechas e dar a elas a cor preta, preferida pelos egípcios por representar a juventude. Era comum fazer múmias com esses adereços.

“Essas descobertas, além de apoiarem as teorias sobre o antigo comércio de materiais de embalsamamento no antigo Egito, também contradizem a crença de que uma falha na remoção dos órgãos internos implicava em uma mumificação ruim”, aponta Saleem. “Mesmo com todos os órgãos, o embalsamamento com bons materiais, importados e caros, fez a aparência da múmia permanecer bem preservada”.

Mas o que causou a expressão de grito da múmia?

A raridade do material utilizado em seu embalsamamento descarta a possibilidade de um processo de mumificação descuidado. Muito provavelmente, não foi por negligência dos embalsamadores que a boca da múmia não foi fechada.

“Sua expressão facial gritante pode ser lida como um espasmo cadavérico, o que sugere que a mulher morreu gritando de agonia ou dor”, levanta a hipótese Saleem. Espasmos cadavéricos são uma forma rara de enrijecimento muscular, normalmente associada a mortes violentas sob condições físicas extremas e emoções intensas.

“A ‘mulher que grita’ é uma verdadeira cápsula do tempo”, conclui a especialista. Embora ainda não tenham sido descobertas causas óbvias para sua morte, estudos futuros podem ajudar a responder essa questão.